ÔNUS DA PROVA: TÉCNICA DE JULGAMENTO OU MATÉRIA DE INSTRUÇÃO?

01/06/2013 14:03

ÔNUS DA PROVA: TÉCNICA DE JULGAMENTO OU

MATÉRIA DE INSTRUÇÃO?

 

O Código de Defesa do Consumidor permite a inversão do ônus da prova quando se tratar de relação de consumo, se o consumidor for hipossuficiente e sua alegação for verossímil. Desta forma, o presente trabalho vem questionar em qual momento poderá haver esta inversão, ou seja, será técnica de julgamento sendo determinado na sentença ou será regra para instrução processual, determinado no decorrer do processo?

O Artigo 333 do Código de Processo Civil institui as regras gerais de caráter genérico sobre a distribuição do encargo probatório às partes ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito, contado na petição inicial, cabendo ao autor demonstrar sua veracidade, assim provando-os por todos os meios possíveis e lícitos, assim como elucida o Artigo. 332 do Código de Processo Civil. Ao réu incumbe contrapor todos os fatos alegados pelo autor sob pena de serem considerados verdadeiros quando não contestados, nos termo do artigo 302 do mesmo texto legal. No entanto, é imprescindível ao apresentar fato impeditivo modificativo ou extintivo do direito do autor, prová-los, sob pena de declarados inexistentes.

No entanto, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º, VIII, permite a inversão do ônus da prova, sendo esta uma regra excepcional de equidade, que aufere às partes um tratamento mais justo, “é a mais importante técnica que possibilita vencer dificuldades no caso concreto, de modo a permitir a igualdade substancial também no plano processual[1]”. Regra esta, direito básico do consumidor,  que tem por fim exclusivo a facilitação de sua defesa:

A inversão do ônus da prova tem como pressupostos a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor e assim tem-se consumidor hipossuficiente aquele que se difere do fornecedor em situação de desigualdade econômica e técnica.

O questionamento, o objeto em análise, recai sobre qual o momento em que o juiz deverá determinar a inversão do ônus da prova, se na prolação da sentença ou no decorrer do processo, em fase instrutória, a doutrina se divide em relação a esse assunto:

Alguns entendem que deve ser por ocasião do despacho liminar de conteúdo positivo; outros, na fase do saneamento do processo; outros ainda na sentença. As duas primeiras posições homenageiam o princípio do contraditório e da ampla defesa afirmando que, se for invertido o ônus da prova, terá que ser assegurada ao fornecedor a oportunidade de desincumbir-se do novo cargo, sob pena de violação do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal[2].

 

A inversão do ônus da prova por despacho será inócua por ainda não terem sidos definidos os pontos controvertidos no processo, sobre os quais se desenvolverá a instrução probatória e ainda, os procedimentos do Juizado especial e rito sumário não há fase saneadora, daí a dificuldade de inverter o ônus da prova.

O ônus da prova, ao recair sobre o fornecedor, que “sempre foi do seu conhecimento e versará sobre fatos constitutivos do seu direito quando autor, ou, quando réu, sobre fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor[3]”. Assim, o que se entende é que o fornecedor, sabendo que se trata de conflitos que versam sobre relação de consumo, deverá, por si só providenciar todos os meios probatórios para convencer o juiz do seu direito, ou seja:

O fornecedor tem conhecimento de que, em se tratando de lides de consumo, a norma do art. 6º, inciso VIII do CDC, autoriza o juiz a presumir como provadas as alegações sobre os fatos do seu interesse ou a demonstração da efetiva impossibilidade de sua produção, sob pena de sucumbir na demanda com o consumidor[4].

 

Há aqueles que entendem que o momento mais adequado para a inversão do ônus da prova é o momento da sentença, por se tratar de regra de julgamento e não de procedimento, contrariando aqueles que têm por convicção que há aí a violação do princípio do contraditório e da ampla defesa e “principalmente porque a parte pode ser surpreendida com a inversão do ônus da prova sem ter oportunidade de produzir a prova que, inicialmente, não lhe competia[5]”.

O entendimento é que o fator surpresa não pode existir no processo, vez que há incompatibilidade total com a ampla defesa e contraditório, mas os que defendem esta tese, sustentam que a inversão do ônus da prova na sentença é um verdadeiro adiantamento da convicção do magistrado.

A doutrina e a jurisprudência divergem muito deste assunto, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão bem recente de um agravo de instrumento nº 0209612-95.2011.8.26.0000, publicada em 28/02/2012, manteve a decisão do juiz de primeira instancia, a qual inverteu o ônus da prova em razão da hipossuficiência do consumidor:

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - Direito do consumidor Responsabilidade civil. Decisão saneadora que determinou a inversão do ônus da prova Correção Hipossuficiência técnica dos autores evidenciada nos autos Inversão que se impõe Decisão mantida recurso desprovido, revogado o efeito suspensivo.  (grifo nosso)

 

A decisão de primeira instancia supramencionada, foi proferida na fase saneadora do processo em razão do desconhecimento técnico do consumidor sobre a causa do evento danoso, caracterizando aí sua hipossuficiência. Nesse sentido, conclui-se que por este Tribunal a inversão do ônus da prova é matéria de instrução.

Um mês após a decisão acima citada, o mesmo Tribunal, de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 0546788-69.2010.8.26.0000, decidiu sobre as regras da inversão do ônus da prova, sendo que esta deverá se aplicada no momento da instrução, ao valorar as provas, quando o juiz se deparar com o non liquet, portanto antes da sentença, decisão esta que repetiu julgamentos anteriores do mesmo Tribunal:

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA REGRA DE JULGAMENTO. A inversão do ônus da prova somente deve ser aplicada nas hipóteses em que, após a instrução do feito, no momento de valoração das provas, o juiz se depara com um 'non liquet' em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa. Assim, apenas quando uma questão de fato se apresenta irredutivelmente incerta no processo, empregam-se as regras da distribuição do ônus da prova.

 

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 2011, manteve a decisão do juiz a quo, que inverteu o ônus da prova na sentença em razão da verossimilhança das alegações da autora com a prova documental, o que nos faz deduzir que a inversão do ônus da prova é aí técnica de julgamento:

agravo de instrumento nº 70047386834

- Inversão do Ônus da Prova - Tratando-se de relação tutelada pelas normas de direito do consumidor, admissível a inversão do ônus das alegações e a hipossuficiência técnica do consumidor. Ainda, cabe à própria parte demandada a comprovação de que se trata, em verdade, de relação comercial, diante da alegada ausência de contratação pela parte autora. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO ART. 557, CAPUT, DO CPC, POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA.

 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deixou sumulado o entendimento de que “A inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, não pode ser determinada na sentença[6]”, entendimento que acabou pacificando discussões no Estado, aludindo que a inversão do ônus da prova é matéria de instrução.

Portanto, fato é que nada poderá obstar que o juiz inverta o ônus da prova no momento em que achar necessário, no despacho saneador, na fase instrutória  da causa ou no momento da decisão de julgamento, desde que advirta o réu no início da demanda. Ademais o fornecedor, sabendo que se trata de relação de consumo já deverá ficar atento quanto a produção de provas, pois será seu dever provar o fato alegado pelo consumidor, quando este desprover de conhecimento técnico ou  documentos que somente o fornecedor detém.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.

 

DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. Tomo 1. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. São Paulo: Malheiros editores, 2009.

 

JUSBRASIL. Jurisprudências. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=%C3%94NUS+DA+PROVA+%C3%A9+T%C3%89CNICA+DE+JULGAMENTO+OU+MAT%C3%89RIA+DE+INSTRU%C3%87%C3%83O+&s=jurisprudencia link acessado em 05 de abril de 2012, às 20 h e 23 min.

 

SOUZA, Rogério de Oliveira, Desembargador/RJ. Da Hipossuficiência. Disponível em: https://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=f397314c-6e89-4e94-b2e9-d05e06d3b6ca&groupId=10136 link acessado em 08 de abril de 2012, às 18 h e 42 min.

 



[1] CAVALIERI FILHO, p. 289.

[2] CAVALIERI FILHO, p. 294.

[3] CAVALIERI FILHO, p. 294.

[4] SOARES, Fábio Costa, apud CAVALIERI FILHO, 2009, p. 294.

[5] DESTEFENNI, p. 90.

[6] Vide súmula 91 do TJ-RJ.