RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE AÉREO EM CASOS DE PERDA, EXTRAVIO OU AVARIA DE BAGAGENS

05/06/2013 00:32

PATRÍCIA MÁRIS[1]

 

 

 

 

RESUMO:

MÁRIS, Patrícia RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE AÉREO EM CASOS DE PERDA, EXTRAVIO OU AVARIA DE BAGAGENS. 2011. 15 fls. Artigo Científico – Valença – RJ.

 

O Presente trabalho vem questionar a limitação da indenização paga por empresas aéreas em casos de perda, extravio ou avaria de bagagens de seus consumidores. A convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica limitaram a referida indenização, independemente do dano sofrido. Assim, diante da desproporcionalidade da indenização, surgiram inúmeros questionamentos doutrinários e jurisprudenciais, vez que no Código de Defesa do Consumidor, para exclusiva proteção deste, a indenização é ampla, devendo ser proporcional ao dano. Contudo o Superior Tribunal de Justiça, em 2009, deixou óbvio que em casos de perdas, extravios ou avaria de bagagens, deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor em detrimento à Convenção de Varsóvia.

Palavras chaves: indenização, bagagens, empresas aéreas.

 

 

 

 

 

1-    INTRODUÇÃO

As sociedades estão cada vez mais se expandindo economicamente, uma vez que o capitalismo proporciona essa expansão, tornando-se visível o consumismo galgado no conforto e rapidez dos serviços.

Desta forma, o transporte aéreo, sobretudo o brasileiro, que é o objeto deste trabalho, está cada vez mais sendo procurado pelos emergentes[2], os quais procuram viajar com rapidez e conforto, já que no Brasil o transporte rodoviário está cada vez mais caro e lento, devido a má conservação das rodovias e estradas de acesso aos grandes centros metropolitanos.

Assim, diante do grande movimento nos aeroportos e a consequente desorganização das companhias aéreas em transportar, tornou-se cada vez mais freqüente o extravio de bagagens de passageiros que embarcam para um destino, seguindo sua bagagem outro itinerário, às vezes não conhecido pelo consumidor, o qual jamais terá o retorno da bagagem, pois na maioria das vezes a companhia não consegue localizar a bagagem, para devolvê-la ao consumidor.

Todavia, quando a companhia aérea consegue localizar a bagagem, devolvendo-a ao seu dono tempo mais tarde, pode amenizar o dano que se instalou em razão do período que ficou desalijado de seus pertences no momento em que mais precisou deles, face a distancia de sua residência, porém não retira de tal conduta a ilicitude do ato, permanecendo o dano causado ao consumidor, razão pela qual este ingressa com a competente ação de responsabilidade civil em face da companhia aérea, devido o transtorno que sofreu, originando, assim, uma condenação por danos morais, além dos patrimoniais tarifados de acordo com a Convenção de Varsóvia..

Outra situação que acarreta responsabilidade civil para a companhia aérea é o fato de ocorrer perda, destruição ou avaria da bagagem do consumidor, ou seja, o consumidor não consegue obter de volta seus pertences porque simplesmente a bagagem extraviou. Nesse caso além dos danos materiais incumbido à empresa, haverá a condenação por danos morais.

No entanto, a Convenção de Varsóvia de 1929 e o Código de Aeronáutica de 1986 definiram que a indenização por extravio de bagagens seja tarifada, enquanto que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor não definiu a indenização, mas garantiu a reparação do dano em casos de prejuízos ao consumidor, tanto material quanto moral, bem como o direito jurisprudencial.

Diante do conflito entre a Convenção de Varsóvia e o Código de Aeronáutica e o Código de Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça[3] (STJ) decidiu que, em casos perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens que envolvem transporte aéreo, aplica-se tanto o Código de Defesa do Consumidor, para fixação do Dano Moral, quanto para complementar a tarifa, em detrimento da Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica, uma vez que limitar a responsabilidade do transportador aéreo significa infringir o art. 5º, XXXII e 170, V da Constituição Federal de 1988.

Portanto, o presente trabalho tem por escopo vislumbrar o conflito supracitado de forma a explanar a cerca da responsabilidade objetiva, que é inerente às empresas aéreas, demonstrando-se, ainda os requisitos básicos para que se configure tal responsabilidade, sendo o fato, o dano e o nexo de causalidade. Ressaltando-se, ainda, que em alguns casos deverá haver a punição da companhia aérea, em caráter preventivo, punitivo e pedagógico, para que medidas sejam tomadas nessas empresas, em prol da melhoria de seus serviços, sempre em favorecimento do consumidor.

2-           DA RELAÇÃO DE CONSUMO NAS EMPRESAS AÉREAS

A relação de consumo que envolve é relação de consumo, uma vez que o transportador aéreo preenche todas as características de fornecedor de serviços, pois o art. 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, define que “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” e os passageiros são vistos como destinatários finais dos serviços de transporte aéreo, nos termos do art. 2º da mesma Lei o “Consumidor é toda pessoa Física ou Jurídica que adquiri ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Como o Código de Defesa do Consumidor é norma cogente, ou seja, norma de ordem pública, veio para dar proteção ao consumidor e equilibrar ou harmonizar a relação de consumo. Sendo assim a inversão do ônus da prova, garantida pelo artigo 6º, VIII do CDC, uma forma de amparar a parte vulnerável da relação de consumo, o consumidor. A inversão do ônus da prova pode ficar a cargo do juiz quando este reputar verossímil as alegações do autor e julgar necessário conforme o caso concreto:

PROVA — Ônus — Inversão — Critério do Juiz, quando reputar verossímil a alegação deduzida — Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com o flagrante intuito de facilitar o ajuizamento da ação, reserva ao Juiz o poder de dispensar o autor do encargo de provar o fato constitutivo de seu direito, quando, a critério exclusivo do Magistrado, reputar verossímil a alegação deduzida" (TJSP — 7ªC. — Ap. Cív. 198.391-1- Rel. Des. Leite Cintra — JTJ/LEX 152/128).

O Código de Proteção de Defesa do Consumidor é uma das melhores normas que existe em nosso país, haja vista sua eficácia em punir fornecedores desonestos, funcionando até mesmo como uma forma preventiva de melhoria dos serviços e qualidade dos produtos oferecidos no comércio, além da responsabilidade civil objetiva auferida ao fornecedor que causar qualquer dano ao consumidor, razão pela qual, houve uma grande discussão doutrinária quanto a aplicação da Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor nos casos de dano ocorrido ao consumidor por extravio, perda ou avaria de bagagem nas companhias de tráfego aéreo.

3-  QUESTIONAMENTO ENTRE A CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A Convenção de Varsóvia e o Código de Aeronáutica sofreram críticas pela fixação do patamar-limite indenizável por extravio, perda ou avaria de bagagens de passageiros, sobrevindo inúmeras decisões demonstrando inconformidade com a Convenção, pois a indenização oferecida estava limitada a 250 francos-Poincaré[4] por quilograma, que representam 17 Direitos Especiais de Saque, sendo que à bagagem de mão limitou-se a indenização a 5.000 francos-Poincaré, conforme art. 22, 2, alínea “b” da mesma.

O Código Brasileiro de Aeronáutica, seguindo os moldes da Convenção de Varsóvia, também deixa óbvia a tarifação quando se trata de Responsabilidade por danos à bagagem, em seu artigo 260, transcrito na Seção IV. Assim aduz:

        Art. 260. A responsabilidade do transportador por dano, conseqüente da destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro, ocorrida durante a execução do contrato de transporte aéreo, limita-se ao valor correspondente a 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro.

 

Também vale ressaltar que o art. 264, do Código Brasileiro da Aeronáutica, fixou rol taxativo das excludentes do dever de indenizar por parte do transportador aéreo nacional, eximindo a responsabilidade deste transportador nas hipóteses de natureza ou vício próprio da mercadoria, embalagem defeituosa não efetuada pelo transportador.

O problema maior que vinha acontecendo com mais freqüência no transporte aéreo brasileiro, e, portanto, objeto deste trabalho, era o dano causado ao consumidor quando sua bagagem era extraviada, perdida ou avariada. Assim, diante do transtorno sofrido pelos consumidores, uma vez já instalado o dano, os valores fixados para indenização pela Convenção de Varsóvia e o Código de Aeronáutica e não raramente equivalerão ao valor de aquisição da mala, dependendo do tipo de produto adquirido pelo consumidor[5], e, muito menos supriria o valor dos produtos que estavam no interior da mala.

Tanto que para corrigir essa distorção, a Convenção de Montreal dispôs que a responsabilidade do transportador pela bagagem despachada não mais estaria relacionada com o peso daquela, fixando-a em 1.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, o que equivale a aproximadamente US$ 1.200,00 (mil e duzentos dólares norte-americanos).

Fato é que a limitação da indenização para extravio, perda ou avaria de bagagens, ainda continuou baixo e em hipótese alguma poderia ser tarifada, o que estaria violando o princípio da razoabilidade ao tratar de forma desproporcional o dano em relação ao quantum indenizatório, uma vez que em cada caso concreto o evento danoso ocorre em circunstancias diferentes, devendo ser julgado em exclusividade, levando em consideração que o dano sempre será diferente para cada pessoa.

Contudo, no Brasil, goza o consumidor de uma lei exclusivamente protetiva, de cunho principal a harmonia na relação de consumo, razão pela qual não seria Justo que houvesse tarifação no quantum indenizatório dos prejuízos do passageiro à perda, extravio, destruição ou avaria de bagagem, uma vez que o CDC tem o melhor e mais apropriado fundamento nos artigos 6º, VI, 7º e 22, parágrafo único, para responsabilizar tais casos adequando a norma a cada situação específica.

A limitação da indenização fixada pela Convenção De Varsóvia e o Código de Aeronáutica criou grande discussão devido a colisão com o microssistema de defesa do consumidor, que deveria prevalecer até mesmo pelo critério da especialidade se considerássemos o art. 7º do CDC in verbis:

“Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de Tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.”

 

a indenização oferecida estava limitada a 250 francos-Poincaré[6] por quilograma, que representam 17 Direitos Especiais de Saque, sendo que à bagagem de mão limitou-se a indenização a 5.000 francos-Poincaré, conforme art. 22, 2, alínea “b” da mesma.

A responsabilidade civil para o fornecedor de produtos e serviços o Código de Proteção e Defesa do Consumidor está regulamenta em dois dispositivos: no art. 14, que trata da responsabilidade civil pelo fato do serviço; no art. 20, que trata da responsabilidade civil pelo vício do serviço.

4-  RESPONSABILIDADE CIVIL CONFORME CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Havendo evento danoso, decorrente de defeito no serviço prestado, há de se falar em responsabilização nos moldes do art. 14, mas caso o evento danoso tenha decorrido de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, há de se chamar defeito do serviço.

O artigo 14 do CDC diz que o fornecedor deve responder pelo evento danoso, independentemente de culpa, consagra a sua modalidade objetiva de responsabilidade civil. Já no § 3º do mesmo artigo, comporta as causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor, in verbis: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I — que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II — a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."

Assim, se provado o defeito do serviço, no caso extravio ou perda da bagagem, o transportador somente deixará de ser responsabilizado quando a responsabilidade advier de fato de outrem ou fato próprio do consumidor.

Criado o Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência começou a defendê-lo descartando a indenização tarifada, aludida na Convenção:

"Responsabilidade Civil. Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de extravio em terra, além de não estar relacionado com acidente. Responde a transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a indenização tarifada da Lei 7.565/86, prevista para acidente aéreo. Interpretação que também se harmoniza com o Direito do Consumidor. Ação procedente. Decisão mantida." (Ap. Cív. 548.098-4, rel. Márcio Franklin Nogueira, j. 26.05.93, in JTA-LEX 142/144).

Podemos observar que quatro anos depois a jurisprudência prevalecia  numa constante opinião em prol da inaplicabilidade da Convenção:

"INDENIZAÇÃO — Responsabilidade civil — Transporte aéreo — Extravio da bagagem — Ressarcimento — Limitação prevista na Convenção de Varsóvia — Inaplicabilidade — Declaração do conteúdo e pagamento de tarifa compatível — Orientação inexistente no bilhete de passagem — Verba devida — Fixação por arbitramento — Recurso provido."(Apelação Cível n. 43.874-4, São Paulo. Relator: Des. Laerte Nordi. 12-8-97.)

Diante da antinomia, e de reiteradas decisões ratificando a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor em detrimento da Conversão de Varsóvia e o Código de Aeronáutica, o Superior Tribunal Federal veio a decidir que as normas protetivas do consumidor, que prevêem a reparação integral dos danos sofridos pelos passageiros, bem como a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, devem prevalecer sobre as normas limitadoras de responsabilidade previstas no Sistema de Varsóvia, na Convenção de Montreal e no próprio Código Brasileiro da Aeronáutica, a Lei nº 7.565/86.

5-  APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NOS CASOS DO OBJETO EM ANÁLISE

O Superior Tribunal de Justiça – em Agravo Regimental no Recurso Especial 262687/SP nº 2000/0057696-4, de 15 de dezembro de 2009, concluiu que no que tange a responsabilidade civil por extravio, destruição ou avaria de bagagens, envolvendo o transporte aéreo, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, em detrimento a Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica, conforme abaixo descreve o excelentíssimo senhor ministro Fernando Gonçalves,  o relator deixou claro que não merece prosperar o agravo, e, com efeito, consoante esclarecido na decisão agravada, a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que, após editado o Código de Defesa do Consumidor, não mais incide a limitação de indenização determinada pela Convenção de Varsóvia. Confira-se:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. CONVENÇAO DE VARSÓVIA. INAPLICABILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NAO CONFIGURADA.

1. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento preconizado por esta Corte, no sentido de que a responsabilidade do transportador aéreo, pelo extravio de bagagem ou de carga, rege-se pelo CD C, se o evento deu-se em sua vigência. Incide, pois, na espécie, a Súmula 83/ STJ .

2. A divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas nainterpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram, o que não ocorre in casu .

3.Não se revela admissível o recurso excepcional, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. Incidência, mutatis mutandis, da Súmula284- STF .

4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no Ag 1089538/ RJ, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, DJ e 02/09/2009)

"CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. CARGA. MERCADORIA. EXTRAVIO. TRANSPORTADOR. INDENIZAÇAO INTEGRAL. CDC. APLICAÇAO. CONVENÇAO DE VARSÓVIA. AFASTAMENTO.

1 - A jurisprudência pacífica da Segunda Seção é no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde (indenização integral) pelo extravio de bagagens e cargas, ainda que ausente acidente aéreo, mediante aplicação do Código de Defesa do Consumidor, desde que o evento tenha ocorrido na sua vigência, conforme sucede na espécie. Fica, portanto, afastada a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a indenização tarifada.

2 - Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença." ( RE sp 552.553/ RJ,de minha relatoria, QUARTA TURMA, DJ 01/02/2006)

Transcrevo, a propósito, lição de Cavalieri citada pelo saudoso Min. MENEZES DIREITO , quando do julgamento do Resp 209.527/ RJ , verbis :

Em conclusão: é impertinente a regra lex posterior generalis non derrogat priori speciali , porque, tratando-se de relações de consumo, o Código do Consumidor é a lei própria, específica e exclusiva: a lei que estabeleceu a Política Nacional de Relações de Consumo, consolidando em um só diploma legal todos os princípios pertinentes à matéria, em razão de competência que lhe foi atribuída pela própria Constituição Federal. E, na matéria de sua competência específica, nenhuma outra lei pode a ele (Código) se sobrepor ou subsistir. Pode apenas coexistir naquilo que com ele não for incompatível. Nego provimento ao agravo regimental.”

 

E ainda, em agosto de 2010, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a inaplicabilidade da fixação do quantum indenizatório nos casos de extravio, perda ou avaria de bagagem, ratificando assim a aplicabilidade do CDC, consagrando o Princípio da ampla reparação do dano:

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 773.250 - RJ (2005/0132572-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

AGRAVANTE : UNITED AIRLINES INC

ADVOGADOS  : RICARDO BERNARDI

TIAGO THOMÉ MAYA MONTEIRO

AGRAVADO: BRADESCO SEGUROS S/A

ADVOGADO: FELIPE AFFONSO CARNEIRO E OUTRO(S)

EMENTA

“AGRAVO REGIMENTAL  EM  RECURSO  ESPECIAL.  TRANSPORTE AÉREO DE  MERCADORIA.  EXTRAVIO.  LEGITIMIDADE ATIVA DA SEGURADORA.  SUB-ROGAÇÃO.  PRAZO  PRESCRICIONAL. INDENIZAÇÃO AMPLA.

1.  A  seguradora,  ao  ressarcir  a  sua  segurada  pelos  prejuízos decorrentes  de  extravio  de  mercadoria,  sub-roga-se  nos  direitos dessa,  podendo  ajuizar  ação  contra  a  empresa  responsável  pelo transporte aéreo. Precedentes.

2.  A  sub-rogação  não  restringe  os  direitos  sub-rogados  (art.  988 do  CC/1916),  de  modo  que  o  prazo  prescricional  a  ser  aplicado deve ser o mesmo previsto para a segurada.

3. Incabível a limitação da indenização prevista na Convenção de Varsóvia. Precedentes.

AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, 19 de agosto de 2010(data do julgamento)” (grifo nosso)

 

Bem recentemente, em maio do ano corrente, foi julgado um agravo regimental pelo STJ, um caso em que houve extravio definitivo de bagagem, sendo afastada a limitação do quantum indenizatório, ratificada a aplicação do CDC, primando assim pela indenização ampla, nos termos do artigo 14 do CDC, com base na Teoria do Risco uma forma de promover a estabilidade social e jurídica[7], é um dos mais importantes fundamentos para a caracterização da responsabilidade civil dos fornecedores de produtos em face dos consumidores sem que seja aferido o elemento culpa. Por este motivo, a análise do conceito e extensão da teoria do risco se torna essencial nas relações de consumo. A justiça distributiva e a necessidade da completa proteção da vítima do evento danoso, a que se fundamenta a decisão abaixo:

“AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.377.962-SP(2010/0230037-0)

AGRAVANTE: CONTINENTAL AIRLINES INCORPORATED

ADVOGADAS: MARIA ELIZA ZAIA PIRES DA COSTA E OUTRO(S)

TATHIANA NOLETO MELO

AGRAVADO: MARIA VALÉRIA WALLER DOMINGUES E OUTRO

ADVOGADO: SÔNIA MARIA MARTINS DE ALBUQUERQUE E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto contra a seguinte decisão:

1.Cuida-se  de  agravo  de  instrumento  de  decisão  que  negou  seguimento  a recurso  especial  interposto  com  fulcro  no  art.  105,  III,  alíneas  "a"  e  "c",  da Constituição  Federal,  contra  acórdão  do  Tribunal  de  Justiça  do  Estado  de São Paulo, assim ementado: TRANSPORTE AÉREO. Ação de indenização por danos materiais e morais. Atraso  de  vôo  e  extravio  definitivo  de  bagagens.  Responsabilidade solidária  da  companhia  que  vendeu  todas  as  passagens  (Vasp)  e  daquela  que  diretamente causou os danos (Continental). Teoria do Risco (art. 14 do CDC).  Exclusão da lide da seguradora denunciada pela Vasp. Afastada indenização  tarifada  da  Convenção  de  Varsóvia.  Fixação  de  indenização  nos  termos  do  CDC. Princípio da ampla  reparação do dano. "quantum"  ressarcitório a título  de danos morais de acordo com os padrões adotados por esta Corte. Danos  materiais  arbitrados  conforme  os  valores  das  compras  contidas  nas  malas  extraviadas.  Demanda  procedente.  Sucumbência  das  recorridas.  Recurso parcialmente provido. (...)” grifamos

 

Podemos observar que as decisões, embora advindas de ações diferentes, obviamente de casos concretos diferentes, sempre remetem ao Código de Proteção de Defesa do Consumidor, afastando a limitação da indenização aferida pela Convenção de Varsóvia, uma vez que deverá ser considerada a vulnerabilidade do consumidor[8], e, considerando assim o CDC, norma de ordem econômica, conforme artigo 170, IV da CRFB/88, não se admite outras normas na regulação da relação de consumo, conforme afirma o renomado Doutrinador Sérgio Cavalieri:

“é impertinente a regra Lex posterior generalis non derrogat priori speciali, porque, tratando-se de relações de consumo, o Código do Consumidor é a lei própria, específica e exclusiva; a lei que estabeleceu a Política Nacional de Relações de Consumo, consolidando em um só diploma legal todos os princípios pertinente à matéria, em razão de competência que lhe foi atribuída pela própria Constituição Federal. E, na matéria de sua competência específica, nenhuma outra lei pode a ele (Código) se sobrepor ou subsistir. Pode apenas coexistir naquilo que com ele não for incompatível.” (p.331)

 

Assim o artigo 944 do Código Civil cita como que “a Indenização mede-se pela extensão do dano”, um fundamento lógico, o qual reforça a idéia, consolidada na jurisprudência, de que deve ser rechaçada a fixação de um limite para a indenização em casos de perda, extravio ou avaria de bagagens, uma vez que o dano se concretiza de diferentes formas, pois reflete em cada ser humano em uma extensão diferenciada.

 

 

6-  CONCLUSÃO

A indenização tarifada pela Convenção de Varsóvia e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica merece também a nossa crítica, vez que não se pode calcular previamente o dano de alguém, pois as pessoas são diferentes, a circunstâncias em que ocorreu o dano são diversas em cada caso concreto.

A extensão do dano não pode ser previsível e limitada, tanto que o Código Civil diz que a indenização deverá ser em conformidade com a extensão do dano. Assim o Código de Proteção e Defesa do Consumidor diz que independente da culpa há o dever de indenizar, sendo o fundamento principal dessa indenização a razoabilidade e proporcionalidade, e, subsequentemente uma indenização ampla.

Vale ressaltar que não faz sentido a aplicação da convenção de Varsóvia nos casos de perda, extravio e avaria de bagagens, pois temos uma norma especial e protetiva ao consumidor, de ordem pública que veio não só como forma de reprimir as falhas e danos decorrentes da relação de consumo, mas também veio para prevenir tais falhas, um meio para melhorar a relação de consumo, aferindo-lhe mais transparência, tornando-a harmoniosa.

A relação de consumo deve ser direcionada e regulamentada por norma especial, já que a temos e que sua funcionabilidade e eficácia são garantidas, pois num país do tamanho do Brasil, com tantas empresas, não fosse as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, certamente haveria uma desvantagem para o consumidor, dada sua vulnerabilidade.

Contudo com a decisão do STJ, a qual definiu que o Código de Defesa do Consumidor deverá ser aplicado em casos de perda, extravio e avaria de bagagens, deverá ser aplicado o princípio da ampla indenização, em proporcionalidade com o dano sofrido, ainda com uma vantagem de que o juiz poderá inverter o ônus da prova quando julgar necessário em favor do consumidor.

 

 

 

7-  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVES, Juanita Raquel. Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem. Link De Acesso: https://jus.uol.com.br/revista/texto/19394/convencao-de-varsovia-codigo-brasileiro-de-aeronautica-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-extravio-de-bagagem, acessado em 15 de agosto de 2011, às 18h:03.

BRASIL. Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei nº 7.565, de 19 de Dezembro de 1986.

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei 10.406 de 2002. Editora Saraiva, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Editora Saraiva, 2011.

BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Lei 8078 de 1990, Editora Saraiva, 2011.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2008.

_______________. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: 8ª edição, Editora Atlas S/A, 2008.

Convenção de Varsóvia de 12 de Outubro de 1929 - Convenção para a Unificação de Certas Regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional.

LEITE, George Salomão. Dos Princípios Constitucionais. São Paulo: 2ª edição, Editora Método, 2008.

MEIRA, Hugo. Teoria do Risco no CDC. Link Acessado em 31 de agosto de 2011, às 18:35. Disponível em https://www.hugomeira.com.br/teoria-do-risco-no-direito-do consumidor/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+hugomeira+%28Hugo+Meira%29.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: 2ª edição, Editora Saraiva, 2007

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: 7ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2007.



[1] Advogada em Valença – Rio de Janeiro.

 

[2] São pessoas de desenvolvimento econômico relativamente médio com possibilidade de ascensão financeira, e que nos países em desenvolvimento (os emergentes) são as que mais consomem. Link acessado em 10/08/2011 às 17.55https://pt.wikipedia.org/wiki/Pa%C3%ADs_em_desenvolvimento.

[3] Agravo Regimental no Recurso Especial 262687/SP nº 2000/0057696-4, julgado em 15 de dezembro  de 2009, pelo STJ, em que tratou especificamente do objeto discutido neste trabalho, disponibilizado em anexo.

[4] O valor máximo previsto na Convenção de Varsóvia como limite à responsabilidade, segundo a doutrina e jurisprudências pátrias, apresenta-se irrisório, impossibilitando um verdadeiro ressarcimento, o que resulta em lesão ao passageiro. Soma-se a este fato sua difícil determinação quanto ao valor, na medida que o franco-poincaré não possui cotação oficial [...]. Após o Decreto nº 97.505, de 13.02.1989, o padrão franco-poincaré foi convertido em ‘DIREITOS ESPECIAIS DE SAQUE’ – DES, do Fundo Monetário Internacional.

[5]ALVES, Juanita Raquel. Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem. Link De Acesso: https://jus.uol.com.br/revista/texto/19394/convencao-de-varsovia-codigo-brasileiro-de-aeronautica-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-extravio-de-bagagem, acessado em 15 de agosto de 2011, às 18h:03.

 

[6] O valor máximo previsto na Convenção de Varsóvia como limite à responsabilidade, segundo a doutrina e jurisprudências pátrias, apresenta-se irrisório, impossibilitando um verdadeiro ressarcimento, o que resulta em lesão ao passageiro. Soma-se a este fato sua difícil determinação quanto ao valor, na medida que o franco-poincaré não possui cotação oficial [...]. Após o Decreto nº 97.505, de 13.02.1989, o padrão franco-poincaré foi convertido em ‘DIREITOS ESPECIAIS DE SAQUE’ – DES, do Fundo Monetário Internacional.

[8] Vide artigo 4º do CDC.